Banco de Alimentos

terça-feira, dezembro 07, 2010

Carta do Zé agricultor para Luis da cidade.

"Minha posição em relação a esse texto será dada amanhã. Ruralistas se acham donos da razão. Insistem em dizer que não desmatam nem degradam o ambiente. É importante mencionar, que eles não são os únicos responsáveis, afinal, tu separa o lixo de casa, economiza no consumo de água, consumo de energia elétrica???
Bom, continuo amanhã. Boa noite." 
Segue o texto.





Excelente texto leia até o final, vale à pena!
O texto é fictício, mas os fatos são muito reais!


Carta do Zé agricultor para Luis da cidade
A carta a seguir - tão somente adaptada por Barbosa Melo - foi escrita por 
Luciano Pizzatto que é engenheiro florestal, especialista em direito sócio 
ambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 
88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.
Carta do Zé agricultor para Luis da cidade



Prezado Luis, quanto tempo. 
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o 
transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? 
Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de 
meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava. 



Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. 
Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e 
com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite.
De 
madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só 
vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis? 


Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não 
que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que 
acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To 
vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio 
ambiente. 



Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que 
parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos 
daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os 
postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança. 


Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas 
um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e 
pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser 
verdade, né Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né.) contratei Juca, filho 
de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo 
direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos 
de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do 
sindicato e da
Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar 
leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia 
trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana 
ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo 
calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche 
tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama, só 
comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no 
quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter 
luz boa no quarto do Juca. 


Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer 
parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, 
desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas 
leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele 
foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levou 
ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do 
trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 
5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da 
cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou 
aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do 
chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que 
derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e 
ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei 
que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns 
trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive 
que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as 
vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me 
prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, 
ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né? 



Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do 
rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com 
mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não 
sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A 
pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá 
errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água 
fedida e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato 
agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa 
Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, 
então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da 
casa.
Fui ao escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no IBAMA 
da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um 
laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu 
pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. 
Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do 
Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi 
o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 
mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio 
numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da 
ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não 
quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é 
pra todos.
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da 
venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu 
tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só 
depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que 
tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca 
é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de 
nós, os criminosos aqui da roça. 



Até mais Luis. 
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe 
por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio. 





(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados 
verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o 
tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio 
urbano.)

domingo, dezembro 05, 2010

Só de Sacanagem

Ouvi no DVD da Ana Carolina, é um texto de Elisa Lucinda. Após ouvi-lo fiquei sem palavras. Segue o link no YouTube, para que todos possam, além de ler, ouvi-lo também.

"Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais.
Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração tá no escuro.
A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam:
" - Não roubarás!"
" - Devolva o lápis do coleguinha!"
" - Esse apontador não é seu, minha filha!"
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas-corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar, e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem!
Dirão:
“ - Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba.”
E eu vou dizer:
”- Não importa! Será esse o meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.”
Dirão:
" - É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”.
E eu direi:
” - Não admito! Minha esperança é imortal!”
E eu repito, ouviram?
IMORTAL!!!
Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final."

- Elisa Lucinda