O assunto mais importante da pauta ambiental hoje no Brasil é a revisão do Código Florestal. O tema é a capa da nossa próxima edição, que sai na próxima segunda-feira (04/10). Mas, para dar um gostinho dela, segue aqui uma pequena história que acabou ficando de fora da revista. E só ficou de fora porque aconteceu depois do fechamento. Foi na quarta-feira (29/04), no debate “O Código Florestal e os serviços ambientais: Quais as implicações das alterações propostas?”, no Instituto Florestal de São Paulo.
Para quem não acompanha a questão, essa é a lei que estabelece a proteção das florestas e das demais formas de vegetação natural do país. Em processo de alteração no Congresso, ela já sofreu várias acusações improcedentes, desde impedir a expansão da agropecuária até a de ter nascido na base da “canetada” no início da ditadura militar e, o que é pio, sem embasamento científico.
Se para a primeira alegação vários pesquisadores têm se esforçado em mostrar que há espaço de sobra para o setor agrícola crescer, para a segunda, há talvez apenas um engenheiro agrônomo que possa rebater a crítica com propriedade, e conhecimento de causa. Aos 85 anos, Alceo Magnanini é o único remanescente do grupo de seis pessoas, designado pelo presidente Jânio Quadros em 1961, que ao longo de três anos elaborou o projeto que levou ao atual código.
Em sua apresentação, Magnanini lembrou a árdua tarefa que foi levantar todo o conhecimento científico existente no início da década de 1960 para formular o projeto que viraria lei em 1965, pelas mãos de Castelo Branco. “Não nos faltou elemento técnico para decidir. A primeira norma do grupo era apreciar o código de 1934 [primeira lei florestal do país, que praticamente não teve nenhum efeito] e atualizar o que fosse interessante de acordo com todos os conhecimentos técnicos que pudéssemos auferir”, conta.
“E isso levou anos, com duas a três reuniões por semana. Lógico que não podia levar toda a comunidade acadêmica para a discussão… mas foi tudo discutido”, complementa, para logo depois contra-atacar. “Agora eu devolvo a pergunta: qual é o fundamento científico que baseia essa modificação do código?”
A pergunta foi justamente o que motivou a reportagem de capa da nossa próxima edição, que começa a circular na segunda-feira. Para entender o que está em jogo, ouvimos mais de uma dúzia de cientistas. Só quando já estávamos fechando, porém, tivemos acesso a Magnanini. Enquanto a matéria mostra bem a problemática atual, ele completou o quadro com a contextualização histórica.
Na época da formulação do código, lembra Magnanini, biodiversidade não era exatamente a preocupação do momento. “Não se falava nisso, nem em ‘ambiental’. O termo só surgiu na conferência de Estocolmo, em 1972 [Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, da ONU], da qual participei como integrante da representação brasileira.” O foco principal era o fornecimento de água. Já se tinha a noção de que sem floresta, os recursos hídricos escasseiam.
Mesmo assim, segundo Magnanini, já havia uma visão mais ampla nesse grupo, formado também por Roberto Melo Alvarenga, então vice-presidente do Conselho Florestal Estadual de São Paulo, e Henrique Pimenta Veloso, engenheiro agrônomo do Rio de Janeiro, além dos juristas Adelmy Cabral Neiva, Bernardo Daine e o desembargador federal Osny Duarte Pereira, autor do livro Direito Florestal Brasileiro.
“Havia pesquisas mostrando que três metros de APP (área de preservação permanente) eram suficientes para proteger encostas dos rios. Mas só se pensava na encosta. Estávamos falando de florestas de preservação permanente. A mata ciliar não era só para evitar a erosão da beira do rio, mas estávamos pensando em um conceito de ecologia, que tudo está interligado, fauna, flora, o ser humano, e todo um complexo que envolvia solos, água, etc.”
Para ele, há espaço para mudanças na lei, mas não da forma como vem sendo feita, e com isso concordaram também os outros dois participantes do debate, o biólogo Alexandre Martensen, secretário municipal de Agricultura, Meio Ambiente e Turismo de Guapiara (SP), e a engenheira florestal Maria José Brito Zakia, da Práxis Socioambiental, e o mediador Valdir de Cicco, pesquisador do Instituto Florestal.
“É possível mudar o código em cima de um debate feito por nós (academia, pesquisadores, etc), não por Brasília, nem pela bancada ruralista. Tem de ter amplo debate”, disse Magnanini. “Mas eu mesmo nunca fui consultado. A mudança simplesmente foi apresentada para nós.”
O agrônomo afirma que o grande problema é que nunca houve fiscalização adequada para que o código vigente pudesse funcionar. Segundo ele, os que propõem a alteração prevista no Congresso Nacional “alegam que o código até agora não foi executado. Então querem mudar. Oras, por que não foi executado? Por falta de fiscalização, de vontade política. Mas fazendo essas modificações vai ter fiscalização ou vai continuar da mesma maneira? Se com as restrições atuais, não se consegue [controlar o desmatamento], vai se conseguir abrindo as pernas? Quando abre a porta do galinheiro, entra a raposa.”
Ele compara o caso com a mudança, anos atrás, da cor das chapas dos carros. “Antes só os carros do governo tinham chapa branca. Ocorreu um monte de escândalo, era o cara na feira com o carro chapa branca, nas férias… Então mudaram a lei, e todo mundo passou a ser chapa branca. Resolveu o escândalo. Estão fazendo o mesmo com o código florestal.”
O agrônomo defende que, mesmo os pequenos agricultores, que estão sendo usados como justificativa para alteração da lei, iriam preferir uma alteração diferente. “Ele vai optar por uma mudança no código que favoreça a vida dele e não essa que vai praticamente extinguir o pequeno agricultor. Diminuir isso [a proteção da floresta] para aumentar a terra dele? Grande coisa… E depois o que ele vai fazer com a lixiviação e com a erosão da terra que ele ganhou?”
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